sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Por entre os prédios

Lá estava eu, sentado na cadeira da cozinha apertada e tomando o café queimado que Marli havia preparado, e as torradas me olhavam do prato e me diziam: “Mais um dia normal, Victor!”.
Retirei uma quantia de dinheiro do trabalhozinho de Marli e saí para mais um dia normal, como me disseram as torradas. Andei arrastando o chinelo velho no chão de terra, levantando poeira e observando o céu e as nuvens que ali dançavam, junto com as pipas e as crianças que as empinavam. Todos se conheciam por ali. Bastava pisar um pé fora de casa que olhares, comentários, sorrisos e gestos com certeza te cruzavam. Amigos, inimigos, patrões e empregados, todos juntos andando e perambulando pelo morro.
Depositei a tão esperada carta no correio. Seu destinatário morava a 700 quilômetros dela. Avistei na esquina, meus amigos sentados no balcão do bar, que me chamava freneticamente, não dando tempo nem de pensar.
Sentei-me. Ali fiquei durante longas horas, virando copos e jogando conversa fora. Só para não perder o hábito.
Já escurecendo, voltei para casa de bolsos vazios, molhei rosto com água fria, comi uma banana e subi o telhado para assistir ao sol cair e a lua tomar seu lugar. As luzes da cidade já apareciam e os carros corriam de lá para cá feito loucos. As pipas já não dançavam como de manhã e o sol não sorria mais também. Dormi ali mesmo, deitado na antena barata.

maio/2006

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