A última semana fora tensa. As cartas, fotos, borboletas, cheiros, presentes, lembranças e os restos me perseguiam por todos os cantos da casa. Pegava algo, qualquer pequena coisa, e por fim, lembrava-me dela ou de algum pequeno momento que o teu olhar cruzava com o meu e nós dois de mãos dadas ficávamos sem jeito com o ato.
Quinta-feira ela me ligara com voz rouca e fraca de choro e dizia com outras palavras que precisava de mim. Fui até ela, que abriu o portão tremendo e se jogou nos meus braços soluçando e soltando palavras sólidas que se desfaziam no ar. Seus olhos inchados me procuravam e dificilmente sabiam o que dizer. Abracei-a com força e tentei acalmar sua dúvida, seu sofrimento. Quando sai, arranquei-lhe um sorriso curto, mas verdadeiro.
Consegui ajudá-la, mas não curá-la, já que o amor é existente, mas os seus remédios, não. O tempo poderia passar, mas não o diminuiria, nem a ausência o enfraqueceria, nem a ingratidão o esfriaria, nem a raiva mudaria um pouco dele. A rejeição dela me confundia e me fazia pensar se realmente valera a pena. Até um certo ponto, acreditava que sim. Acreditava que ainda vivenciaríamos novas coisas juntos, que ainda existia uma vírgula em nossa história.
Ela ainda me olhava com aquele seu jeito meigo e avassalador que me prendia sempre, mesmo que por pouco. Ah, aquele olhar, aquele sorriso! Ainda me deixavam em um estado alterado. Mas sabia que o que se passava na sua cabeça no momento não permitia o aconchego de seus lábios tão depressa. Nos dois últimos dias havíamos conversado bastante e parecia que estava bem equilibrado entre nós.
Sábado à noite fomos a uma mesma festa na qual todos os nossos amigos estavam. Quando cheguei lá estava ela sentada a mesa, toda enfeitada. Olhando vagamente para mim, me cumprimentou. O cheiro da sua boca apresentava um quê de álcool. Entorpecida com olhos reluzindo sua alegria falsa, ela ria alto em uma risada estridente e demoníaca que ecoava nos meus ouvidos. Jogava a cabeça para trás, abria a boca, balançava os braços e o cabelo de uma maneira desagradável.
Ela ia para o centro do salão, e se gabando dançava com todas as forças em um balanço de quadril indiscreto que não impedia que olhares e flertes viessem até ela. Sassaricando toda-toda ela ainda sorria, mostrava os dentes e olhava para mim como se fosse a primeira vez. Puxava meus olhos para os dela e fazia isso não só comigo como com todo o resto dos homens que ali se encontravam.
O tempo passava e eu via que cada vez mais os nossos amigos se aglomeravam em um canto escondido do lugar. Todos eles, embriagados do próprio riso e dor, ali de pé observando a fatalidade da cena. A garota a quem me dediquei profundamente durante seis meses, a garota que fez tudo girar em torno dela, que me fez perder noites inesquecíveis, melhores amigos, que me fez implorar por perdão-mesmo em situações em que ela quem devia fazê-lo-, que nunca pensou em mim ou em minha parte da historia, que sempre me deixou como segundo plano estava bem ali na minha frente aos agarros com ele. A situação me fez sentir um desgosto, um nojo sem igual. Sentia meu estômago embrulhado e os olhos desacreditando no que viam.
Olhava para aquilo e perguntava se era sonho ou realidade. Mas os outros vinham até mim com os rostos afetados que já respondiam à pergunta. E depois, ela saia caminhando pelo salão com seu rosto mesquinho, nariz empinado sem sequer dar valor a minha existência.
Tudo que havia feito por ela, todos os momentos que passamos juntos desmoronaram naquele instante. O fato de ter sofrido em suas mãos me fizera tomar a decisão. A decisão de não tocar mais naquele corpo que já fora meu e estava sendo tomado por outro. Decisão de revirar os olhos quando olhasse para mim, de ignorar sua presença aonde quer que fosse.
E ela ainda continuava andando pelo salão, balançando a cabeça e olhando para mim como se fosse insignificante, como se fosse um... Nada. Ela tinha diamantes por fora e apenas pedras duras por dentro. Me perguntava até que ponto seu tamanho desrespeito e egocentrismo poderia chegar; me perguntava e a resposta era um silêncio que madrugada afora me perseguiu.
agosto/2006